Por Liliane Pelegrini (texto)
e Élcio Paraíso (fotos)
A voz não o trai. A memória pode falhar, misturando versos cantados por uma vida inteira, as pernas já não têm a mesma força, mas a voz, companheira fiel, definitivamente não o trai e muito menos o abandona. Aos 82 anos, Cauby Peixoto preencheu a noite de sábado, 15, no Grande Teatro Palácio das Artes com o mesmo timbre límpido que alçou ao posto de grande cantor brasileiro logo no início de sua carreira, isso mais de 60 anos atrás. Um lorde na estampa e nas atitudes, afagou a plateia logo de cara ao subir ao palco cantando à capela os versos de “Oh, Minas Gerais”: “quem te conhece não esquece jamais...”. O público, grato, não guardou para final do espetáculo e deu boas-vindas a Cauby aplaudindo de pé.
O formato da apresentação era simples. Apenas o violão do irretocável
Ronaldo Rayol – irmão mais novo de Agnaldo – e a voz de Cauby. Para quê mais? Cauby
estava impecável em um paletó de paetês azuis, extravagância na medida e
perfeitamente sustentada por uma história de glamour que teve seu ápice na era
de ouro do rádio no Brasil. Saudou a plateia de braços dados a Ronaldo, a quem
parece confiar a condução do espetáculo. Fazia 12 anos que o cantor não se
apresentava em Belo Horizonte. Nas cadeiras do grande teatro estavam, como era
de se esperar, senhores e senhoras que regulavam em geração com o artista e
provavelmente o acompanham desde o começo de carreira, mas também muita gente bem
mais jovem que já conheceu Cauby como um mito da música brasileira.
Perfeitamente compreensível para um senhor da sua idade, Cauby se
instalou em uma poltrona e dali começou a soltar a voz – esta, tão jovem como
sempre foi, apesar de Cauby pontuar que ganhou em graves nos últimos anos. O
cantor ão cumpriu obrigações com o repertório previamente preparado. Uma coisa
ou outra se manteve, mas, por várias vezes, as canções surgiam na mente de
Cauby e ele se punha a cantar. O violonista Ronald Rayol, sem dificuldade,
entrava na dança e o acompanhava. Parecia até planejado, mas não era, como o
próprio Cauby admitiu ao puxar “Yesterday”, dos Beatles.
Em diversos momentos do espetáculo, Cauby parecia viajar para dentro dos
versos que entoava. A sensação para quem o assistia era de que um filme se
passava na memória, um filme sobre a própria vida. Como em “Cauby, Cauby”, uma
homenagem composta por Caetano Veloso: “Tantas mulheres febris, loucas pela
minha voz, música doce gritando meu nome: ‘Cauby, Cauby’”. Ou como em “Minha
Voz, Minha Vida” (“Minha voz é precisa, vida que não é menos minha que da
canção, por ser feliz, por sofrer, por esperar, eu canto, para ser feliz, para
sofrer, para esperar eu canto”) e em “Bastidores”, de Chico Buarque, que a
interpretação marcante de Cauby a tornou um tanto dele: “Cantei, cantei, nem
sei como eu cantava assim, só sei que todo cabaré me aplaudiu de pé quando
cheguei ao fim”.
Na apresentação, Cauby adiantou que, dentro de alguns meses, vai ser
lançado disco novo, “Cauby canta seresta”, e deu aperitivo do que foi
registrado em estúdio há pouco mais de um mês. Levou a plateia a cantar junto
“Ave Maria no Morro” e “Gente humilde”. Vez ou outra, os mais apressados
clamavam por “Conceição” e, quando ela veio, uma comoção coletiva tomou conta. Assim
como em “My way”, que tem tanto brilho na versão dele quanto na de Frank
Sinatra, e em “New York, New York”.
Alguns tropeços técnicos de sonorização logo no começo e letras emboladas
por lapsos de memória não pareciam incomodar a plateia generosa e atenta. Eram
meros detalhes diante da presença magnética de Cauby Peixoto.
Por falar em presença magnética, já nos finalmentes da apresentação, uma
boa parte dos presentes deixou de lado o lugar marcado e se aglomerou na beira
do palco, com câmeras em punho e mãos que suplicavam por um toque do ídolo. “Um
espetáculo para guardar na memória”, como comentava na saída, com o grupo de
amigas, uma senhorinha de seus mais de 70 anos.
* Resenha publicada originalmente no caderno Magazine do
jornal O Tempo de 17/09/2012. Aqui, versão sem os cortes
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